domingo, 6 de setembro de 2009

O Cambirela - uma semana depois

A pedidos, vou contar um pouco mais detalhadamente como foi a minha experiência frente a este desafio. Não foi fácil, mas a compensação foi muito boa, tão boa, que as dificuldades uma vez superadas viraram trofeus e fizeram a vista valer ainda mais a pena. O relato será longo, chato e cansativo (vou logo avisando), então leiam se quiserem e até o ponto que quiserem. Huahuahaus.

Tudo começou na noite de sábado. Nos reunimos no colégio às 20 horas. Cada um levava sua mochila, um saco de dormir pequeno acoplado a ela, um cantil, alguma roupa de frio, touca, lanterna e algo energético para comer, como chocolate, bolachas integrais ou barrinhas de cereal. A recomendação era levar também daquelas terríveis bebidas energéticas, coisa que dispensei. Preferi carregar mais uma barra de chocolate. No último momento comprei também um suco de caixinha para tomar na manhã seguinte, e isso me ajudou bastante, já que meu "cantil" (um mísero squeeze) foi pouco. Deveria ter levado mais uma ou duas garrafinhas de água.

Além disso levei também minha H-50 em seu estojo próprio. Teria se tornado um elefante branco se não tivesse uma alça comprida, que amarrei na frente do peito, prendendo as duas alças da mochila. Ficou prático para subir, já que as mãos devem ir livres para poder se segurar e pegar a lanterna.

Nos reunimos para as recomendações finais, oramos e saímos em 6 ou 7 carros. Estávamos em 27 pessoas.
O morro do Cambirela fica a uns 15 ou 20 km de Florianópolis, não sei ao certo. Tem 1088 m de altura sobre o nível do mar, e está localizado muito perto do mar, então são mesmo mil e poucos metros de altura para escalar. Pelo que me falaram, tem 3 trilhas para subir. Uma delas é mais fácil, mas é longa, bastante longa. A segunda não sei dizer, não cheguei a perguntar. Nós subimos pela terceira. Quem aí adivinhou que é a mais difícil de todas? Pois é.

É uma trilha pouco sinuosa, sobe quase que verticalmente e tem acho que 3 paredões de pedra, pelo menos é isso que me lembro. A subida é bem empinada, e logo no início eu já estava sentindo os "efeitos" de uma vida um pouco.. ehm... sedentária. Heheh.

Fomos numerados para poder identificar facilmente se estávamos todos, já que era de noite. Eu fui o número 4 da fila. Quando faziamos alguma parada para descansar, ao retomar começava a lista de números, para ver se todos estavam a caminho: 1, 2, 3, 4... se alguém não respondia, parávamos na hora para ver o que tinha acontecido. Quase sempre foi porque a pessoa estava distraída. Rsrsrs.

Começamos a subir às 22 h. O caminho de início era de terra, muitas árvores e um pouco úmido, com folhas das árvores que criavam um "colchão" de folhas molhadas. Assim, mal começamos e os pés já estavam molhados e enlameados. Às 22:50, paramos para descansar na única fonte de água que teriamos para carregar as garrafas. A minha ainda estava bastante cheia, então não enchi e aproveitei para sentar e descansar. A recomendação era ficar com as pernas esticadas mesmo que estivéssemos sentados no chão, para evitar cãibras. Nesse momento, eu já estava ofegante e parecia que fazia uma eternidade desde o começo da subida.

Continuamos a caminhada. Eu me sentia um pouco velha e mais sedentária ainda entre a garotada do clube, todos de 15-16 anos. Os mais velhos que estavam subindo já eram experientes, mas eu era a única "velha-novata". Hehehe. O menino que ia na minha frente me ajudou muuuito, estendendo a mão cada vez que precisava subir numa rocha um pouco mais alta (as rochas logo começaram a aparecer, cada vez mais frequentes) ou que não havia muitos pontos de apoio, sempre com palavras de ânimo e bom humor. O garoto que ia atrás de mim também ajudou empurrando várias vezes. Viva Amadeu e Jonas, meus herois! Huahuaha

Não sei precisar em que ponto da subida, mas para mim seria mais ou menos 70%, encontramos o primeiro mirante. Quando cheguei, não vi mais que um nevoeiro denso, denso. As pessoas que tinham subido na minha frente (que eram poucas, lembrar que eu era o no. 4) falaram que a vista era ótima há poucos segundos. Duvidei, mas não devia: não demorou mais do que 20 segundos para que o tempo se abrisse de novo. Entendi que estávamos acima de nuvens.

A vista era mesmo linda. Todas as luzes de Florianópolis, São José e Palhoça, que estão a continuação uma da outra (o Cambirela está no município de Palhoça), e uma área arredondada muito escura. Era o mar, a baía. Corria um ventinho aí, que como o Jonas comentou, parecia ar condicionado. Foi ótimo, porque com a caminhada estávamos todos suados e tinhamos guardado as toucas há tempos. Aqui surgiu o problema: beber água só aos pouquinhos apesar da grande sede, porque tomar goles grandes era provocar enjoo. Fiquei bastante enjoada e com falta de ar nesta primeira parte da caminhada, por causa do esforço. Por isso sempre que possível parava por alguns segundos e o ar logo revigorava e fazia passar o enjoo. Certa vez, pensei que realmente fosse desmaiar e chegaram a parar por minha causa (vergonha). Mas é um cansaço momentâneo, basta parar por alguns segundos e logo o corpo se recompõe.

Pouco antes disso, ainda dentro da parte mais arborizada, passamos o primeiro paredão de pedra. Não tinha corda, ou seja que dava para se apoiar nas pedras e galhos e subir. Foi relativamente fácil este primeiro paredão, mas os outros dois não. Depois do mirante, quase não havia mais árvores, só pedras e arbustos. Principalmente pedras, o que dificulta bastante porque há menos lugares para se segurar. O segundo paredão eram duas pedras gigantes, de uns 4 ou 5 metros de altura (mais ou menos isso, imaginem eu tentando calcular à noite! É uma estimativa pelo tempo que me levou para subir) com uma corda com nós que passa no mei
o. O jeito de subir é simples: você segura na corda, bota um pé em cada pedra e faz força com os braços, içando seu próprio corpo. Os pés dão apoio, mas não força. Sobe um por vez, e você tem que fazer isto sozinho, porque não há maneira de ninguém ajudar a não ser estender a mão quando você está chegando.
Foi uma das partes mais probantes, a que mais exigiu esforço. De mim, pelo menos. Quando estava na metade, senti que não ia dar para subir. Escutava as pessoas que já haviam subido, gritando palavras de ânimo. Fechei os olhos, orei: "Me ajude, Senhor". E, não sei como, subi.

O terceiro paredão foi ainda pior. Entre as duas rochas (que estão encostadas uma na outra, não separadas) corria um fio de água. E a corda passava exatamente por cima dele, ou seja que estava ensopada. A pedra também estava um pouco molhada. Comecei a subir, mas era muito mais difícil por um pé em cada pedra. O guia, lá de cima, gritou para que ao invés de subir com o pé encostasse todo o corpo do lado esquerdo e apenas o pé no direito. E que usasse a força dos braços. Com isso, todo o lado esquerdo da minha roupa se molhou, assim como o saco de dormir. Hehehe. Desta vez, quando estava pela metade da corda, me faltaram as forças de novo, e ainda surgiu um desespero terrível. Comentei que fiz a subida num daqueles patéticos dias femininos e que não sabia nem como nem quando poderia me trocar? Adivinhem que, a essa altura eu já calculava que havia passado o tempo da troca, mas o bom Deus me protegeu nesse ponto também, e a menstruação enfraqueceu bastante durante a subida. Só que, nesse momento, esse desespero se somou ao desespero de subir. A vontade de chorar era muita, mas não tinha lágrimas, só soluços. Escutei o guia pedir para alguém que ainda estava embaixo para que desse um jeito de subir e me ajudar. Nesse momento, falei com Deus novamente: "Por favor, Senhor, me ajude! Me tire dessa!" E assim foi. De novo, subi sem saber como, sentindo como se realmente a mão de Deus estivesse me puxando.

Parece estória, parece besteira. Não é. Somente sentindo para saber como é, sentir que a força que está te empurrando não é tua nem de mais ninguém porque não há ninguém por perto. Não há explicação, só uma imensa gratidão uma vez que você consegue subir e vê o que passou. A prece foi de agradecimento sincero quando consegui sentar numa pedra, lá em cima, enquanto o resto da caravana subia o paredão.

Depois disso, a subida ficou um pouco mais leve e menos empinada. Difícil sim, pela falta de pontos de apoio e de galhos e raízes. Os arbustos não eram tão fortes lá em cima, e não dava para confiar no primeiro galho que aparecesse pela frente para se segurar. Em vários momentos tive que parar e avaliar como iria subir esse pedacinho, mas finalmente chegamos a um patamar. Nós, inexperientes, pensamos (oh ingenuidade) que seria o topo. Um grupo de pessoas (bastante arruaceiros, por sinal) estavam lá, tinham subido algumas horas antes. Decidimos continuar subindo. Alguém tinha um desses termômetros próprios para escalada, que mediu -3.8 graus de sensação térmica.
Mais um esforço (minhas pernas tremiam já!) e chegamos ao segundo patamar. Aqui alguns já montaram o "acampamento": uma lona grande com os sacos de dormir em cima. Pensei que iriamos dormir ali também, mas alguns da diretoria tinham subido mais ainda, chegaram ao topo mesmo, e falaram que lá havia espaço para todos. Subimos até lá.

O espaço no fim nem era tanto assim, e o vento era bem pior. Mas a maioria decidiu ficar ali e eu teria de ficar junto, porque as lonas para dormir poucas e grandonas, para dividir entre várias pessoas. Ok. Tirei foto com a plaquinha indicadora do "topo", instalada pela CEFET (escola técnica federal). Montamos o acampamento do lado da pedra da plaquinha: estendemos a lona com uma sobra para poder cobrir-nos com ela, e os sacos de dormir em cima. Isto tem que ser feito muito rapidamente, para evitar de que os sacos de dormir se molhem com o sereno. Me asignaram o canto mais para o fundo da lona, coloquei meu saco de dormir e vi que tinha, a poucos cm, uma pedra de uns 30 cm de altura. Tratei de dormir, mas antes olhei para o relógio: 3:20.

O vento lá em cima era perpétuo. A sensação térmica às 5 da manhã, segundo o rapaz do termômetro, era de -12 graus. Eu consegui dormir um pouco, mas a minha amiga não, porque começou a sentir frio demais e se queixar de que seu saco estava molhado. Pensamos que seria o sereno, mas quando amanheceu vimos que um cantil tinha se derramado. Coitada.
"Dormi" até às 6:10. As aspas se devem a que, na metade do meu sono, comecei a me incomodar com a tal da pedra que estava ao lado da minha "cama". Tentei me mexer um pouco para afastar-me dela, mas não deu certo. A pedra me doía na cintura e, exausta como estava, decidi continuar dormindo assim mesmo. Quando acordei e olhei ao redor, vi que essa era a última pedra antes de que começasse a ladeira. Sem ela, teria rolado abaixo sem nada para me segurar. Mas na madrugada, como tinha bastante mato ali, ninguém percebeu isso.

A partir dali, começou uma das visões mais lindas que já tive: o céu de um tom azul acinzentado, e no horizonte uma linha contínua de cor laranja. Não há como descrever esta beleza, e as fotos que tirei dão uma ideia muito pálida da realidade. Não adianta, tem que ser vivido!
Não sabiamos em que ponto o sol iria despontar, já que como disse, havia uma linha contínua e laranja no horizonte. Levantei, aos poucos todos foram acordando e olhando para ver onde seria o nascer do sol. E, quando despontou, foi lindíssimo. Não estava vendo o sol nascer atrás de um morro, de casas, no meio das brumas: o horizonte estava limpo e o sol surgia por sobre as águas do Atlântico. Rápido, muito rápido. E lindo. E dava uma sensação de paz, de tarefa cumprida.

Foi muito rápido, o céu clareou, o sol subiu, enquanto tirávamos fotos e filmávamos todos os ângulos possíveis. Lá do topo, várias cidades, praias, ilhas e baías se distinguiam, assim como ladeiras de outros morros menores, campos cultivados, cachoeiras, a estrada lá embaixo, os carros menores do que formiguinhas. Me senti no Google Earth, só que ao vivo.

Começamos a descer às 7:30. Ainda não havia dor nas pernas, mas logo iria começar. A descida foi longa, sinuosa. Não fizemos o mesmo caminho, porque seria muito mais difícil descer pelos paredões do que tinha sido subir. Há um outro caminho, mais curto e pela cachoeira, mas não quiseram arriscar a nos levar por lá, porque é mais perigoso.
A descida parece fácil, mas não é. São 5 horas em que você vai fazendo um grande esforço para ir freando, muitas vezes tendo de sentar na pedra e descer de bunda, muitas vezes escorregando. é longo, e você tem a sensação de que só aguenta descer porque sabe que não está subindo e que logo logo estará no chão, indo para casa. O bom é que não há falta de ar nem enjoo, porque você não pressiona o estômago como na subida. Mas fácil não é. Chegamos no chão quando já passava do meio dia, com uma dor terrível nos pés e pernas. Inclusive, uma menina (que não era do nosso clube, mas é que foram 3 clubes juntos) torceu o tornozelo e fizeram uma maca com dois troncos finos e um cobertor, e a carregaram até o fim.

E foi isso, a minha aventura.

Considerações finais:
- É difícil, dá vontade de desistir e muito arrependimento em vários momentos da subida. Mas a vista vale a pena mil vezes.
- Me faltou água na descida. Ainda bem que consegui um pouco com outras pessoas mais prevenidas.
- Aprendi que não adianta se preocupar nem sentir medo: o que adianta é entregar nas mãos de Deus, que Ele faz milagres, dá forças no meio do nada, tira a gente dos apuros. E isso vale para todas as áreas da vida, e todos os montes que precisem ser escalados.
- Cheguei em casa com tantas dores nas pernas, pés e braços como não pensei que fosse possível sentir. Foi terrível. No dia seguinte também foi terrível, eu sentava e ficava 15 minutos sem caminhar e pronto, depois não conseguia levantar. Contabilizo vários hematomas, principalmente em joelhos e canelas. E, incrivelmente, também tenho hematomas nas unhas dos dedões dos pés, pelo esforço de ir freando na descida.
- Em tempo: fiquei sabendo hoje que a menina que tinha "torcido o pé" na verdade o quebrou. Coitada, foi a que ficou em pior estado e que vai levar a pior recordação, infelizmente. Torço por ela.

Pronto, espero que tenham aguentado ler até o fim. As fotos, vocês sabem, estão todas no orkut. E essa aventura entra para minha galeria de recordações mais lindas.
Paz a vocês! Fiquem com Deus!

4 comentários:

  1. Mari, passei rapidinho pra ver as novidades...
    Que bom que perdeu o emprego e estas bem!
    A cada dia novas conquistas...
    Que maravilha!
    Continue seguindo com essa fé que vai alcançar tudo o que busca.

    O relato confesso não li, mas fiquei curiosa...hehehehehe

    Volto outro dia com mais calma

    beijo

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  2. Menina!
    Quase chorei aqui no finalzinho!
    Parecia que estava lá com você!
    Lindo!
    Nunca li um relato de escalada e já me convidaram para fazer e eu achei que era besteira...
    Agora deu pra entender porque fazem...
    Obrigada por partilhar e PARABÉNS PELA VITORIA!

    beijo
    PS: Agora vou la ver as fotos...hehehehe

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  3. oi Mari, to cansada so de ler, me fez lembrar o passeio a Huaraz, com a diferenca que estavamos a 5 mil metros do nivel do mar o.O, mas de subida também foi 1000 metros.. e é bem isso q vc falou, da vontade de desistir varias vezes, principalmente quando eu nao consguia respirar... mas a visão la de cima vale muito a pena... bjos querida.

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  4. Eu tô chorando. Mesmo sabendo que isso foi no ano passado, me deu um no na garganta qdo vc disse que a pedra que incomodou seu sono foi a que te salvou a vida.
    Que coisa, Mari! Tanta proteçao, vc so pode ser a queridinha de Deus...
    Mas na proxima aventura, vê se olha bem onde vai botar seus pes, ou descansar seus ossos. Eu gosto de vc, viu? Demais mesmo!

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